segunda-feira, maio 28, 2007

15. Funeral (2004) - Arcade Fire


Este é, para já, o melhor disco do século XXI. Lançado a 14 de Setembro de 2004 na América do Norte, só chegou ao conhecimento da generalidade do público na Europa em meados de 2005. E foi quase uma revolução musical!

A obra toma o nome Funeral, a partir da estranha coincidência de nove familiares dos seis membros principais da banda terem falecido na altura em que o disco estava a ser gravado no mítico Hotel2Tango, em Montréal, ao longo de um par de Invernos inclementes, como só os de Montréal sabem sê-lo.

Não duvidem: estamos perante uma obra fantástica, para apreciar do primeiro ao último tema. Mas, como noutros casos, há sempre alguns temas que se destacam por serem mais "radiofónicos". A voz de Win Butler domina a maioria dos temas e está também associada aos melhores. Tunnels é um crescendo musical magnífico a marcar a entrada, Power Out faz lembrar uns New Order muito, mas mesmo muito, zangados ("Ice has covered up my parents hands don't have any dreams don't have any plans" e "I went up into the night, I went out to pick a fight with anyone"). Wake up é um verdadeiro hino ao crescimento, sublinhando que a maturidade tem um preço, geralmente associado com maior cinismo e desconfiança ("I guess we'll just have to adjust").

Nascida no Haiti, a charmosa Régine Chassagne dedica a canção homónima ao país do qual é natural. A sua voz é estranha... desafinada, diriam alguns, e provavelmente com razão. E, no entanto, a sua presença em palco é espontânea, apaixonante e única. Qual o coração masculino mais empedernido que não se derrete perante os seus lamentos sobre as horríveis "nuits de Duvalier"?

quinta-feira, maio 24, 2007

14. Dummy (1994) - Portishead


A figura franzina de voz frágil é Beth Gibbons, mas a mensagem transmitida é poderosa. Dummy foi um disco que me marcou pela capacidade dos músicos em abdicarem da estrutura tradicional de uma "banda pop-rock" e apostarem no sampling, nos loops e no scratch para produzirem uma sonoridade original associada a temáticas intemporais, como o amor, o sonho, a verdade e a vida. Embora o disco tenha sido editado em 1994, foi só entre 1998 e 2001 que o ouvi centenas de vezes, uma por cada tarde que passava na Epitome Coffee House, em Tallahassee, a estudar para o meu doutoramento. Naquele local, caracterizado pela irreverência e inconformismo de um bando de não-alinhados na cultura americana dominante, era habitual ouvir Dead Can Dance, Blues Traveller ou Björk. Os Portishead também faziam parte do lote de escolhas do barista/dj de circunstância.

Os Portishead são um duo de Bristol, Inglaterra, e representam o apogeu de um género musical que ficou conhecido como trip-hop e que integra igualmente os Massive Attack e Tricky, só para mencionar os mais conhecidos. Editaram apenas dois trabalhos originais e um cd ao vivo no Roseland Ballroom de NYC com os melhores temas acompanhados por uma orquestra. Dummy é o seu primeiro trabalho e podem ouvir It Could Be Sweet no plug-in ali ao lado e a minha favorita, Wandering Star, no You Tube:

quarta-feira, maio 16, 2007

13. Dark Side of the Moon (1973) - Pink Floyd


Tinha 15 anos. Foi numa tarde de semana em que não tive aulas e fui para casa de um amigo chamado Rui que o ouvi a primeira vez. Certamente influenciado pelo pai, Rui era fã de ficção científica, o que explica termos visto 2001-Odisseia no Espaço vezes sem conta. O filme é, ainda hoje, um dos meus favoritos de sempre, pelas questões que coloca sobre a natureza humana e sobre os condicionamentos provocados pela tecnologia, mas a crítica fica para outra entrada. Aqui vai falar-se de Dark Side, que aborda alguns dos mesmos tópicos e que escutamos inúmeras vezes.

O disco é, a todos os títulos, invulgar. Lançado em 1973, é o primeiro mega-sucesso dos Pink Floyd, que já tinham editado 7 discos anteriormente, "menos convencionais", com uma sonoridade críptica e psicadélica. Estranhamente, Dark Side of the Moon tornou-se um sucesso de forma lenta e persistente: esteve mais de 700 (setecentas!!!) semanas (14 anos!!!) classificado no Billboard 200, top americano de vendas. (Apesar disso, não é o disco mais vendido de todos os tempos.) Este facto chegaria para tornar o disco mítico, mas há mais, muito mais.

Já apelidei muitas edições musicais de "obra-prima", mas provavelmente a nenhuma outra a expressão se adapta melhor do que a Dark Side. É o primeiro disco gravado em som quadrifónico, o que torna a audição nas aparelhagens de som "último modelo" uma delícia e a única capaz de proporcionar a verdadeira apreciação do detalhe sonoro. Produzido por Alan Parsons e pelos Floyd, Dark Side é pura e simplesmente perfeito, em termos de letra, música e produção. As únicas críticas que ouvi a este disco é que é demasiado perfeito, fazendo com que se perca o encanto, a improvisação e alguma "aspereza" de produção que caracteriza habitualmente a criação artística e musical. Mas o perfeccionismo também pode ser uma vertente relevante da arte e aqui revela-se em todo o seu esplendor.

Tal como sobre outros discos memoráveis se contam certos mitos, também de Dark Side se diz que deve ser ouvido com uma experiência visual. Se colocarmos o disco e o filme O Feiticeiro de Oz simultaneamente, as coincidências são espantosas, quase se podendo dizer que o primeiro constitui a banda sonora do segundo. Eu próprio já fiz essa experiência e fiquei surpreendido. Se a experiência for acompanhada por "substâncias", digamos, favoráveis à abertura do corpo e do espírito, o prazer pode ser infinitamente superior. E mais não digo...

Quanto à música propriamente dita, toca ininterruptamente em cada um dos lados do vinil. Desde a primeira batida cardíaca até à última, experimentamos todas as sensações que um ser humano conhece, desde que nasce até à sua morte. Mas as letras centram-se fundamentalmente:

No stress da vida quotidiana em Breathe:
"Run, rabbit run.
Dig that hole, forget the sun,
And when at last the work is done
Don't sit down it's time to dig another one."

e em Time:
"So you run and you run to catch up with the sun but it's sinking
Racing around to come up behind you again.
The sun is the same in a relative way but you're older,
Shorter of breath and one day closer to death."

Na ganância, em Money:
"Money, it's a crime.
Share it fairly but don't take a slice of my pie.
Money, so they say
Is the root of all evil today.
But if you ask for a raise it's no surprise that they're
giving none away."

E na alienação, em Brain Damage:
"The lunatic is in my head.
The lunatic is in my head
You raise the blade, you make the change
You re-arrange me 'til I'm sane.
You lock the door
And throw away the key
There's someone in my head but it's not me."

O disco termina de uma forma nihilista, com a frase:
"There is no dark side of the moon really. Matter of fact it's all dark."
Até a batida cardíaca se extinguir por completo...

Podem ler mais curiosidades sobre The Dark Side of the Moon aqui.
O final glorioso do álbum pode ser escutado neste "film-clip" kitsch acompanhado por imagens de algumas figuras dominantes da época como Nixon, Arafat ou o eterno Fidel Castro e milhares de discos de vinil a explodirem.

sábado, maio 12, 2007

12. Aion (1990) - Dead Can Dance


Na lista dos 20 discos da minha vida, este é um dos mais excêntricos. Os Dead Can Dance são frequentemente associados com um estilo musical conhecido como dark wave, que é manifestamente redutor para o alcance e diversidade da música praticada por este duo global: Lisa Gerrard vive na Austrália e Brendan Perry na Irlanda, encontrando-se ocasionalmente para gravar. A combinação da voz celestial e onírica de Lisa com a voz sinistra e etérea de Brendan, associada a uma grande quantidade de instrumentos acústicos e electrónicos converteu os Dead Can Dance numa das bandas mais amadas em todo o mundo, quer pelos críticos musicais, quer pelo público em geral.

Em Aion (1990), os Dead Can Dance transportam-nos para tempos antigos e música imemorial. Saltarello é uma dança instrumental de um compositor italiano anónimo do século XIV; The Song of Sybil é uma versão de um tema tradicional da Catalunha com raízes no século XVI; e a canção mais intensa é Fortune Presents Gifts Not According to the Book, com poema de Luis de Góngora, poeta e dramaturgo espanhol do final do século XVI conhecido pela corrente literária que gerou: o gongorismo. Toda a sonoridade é mística e misteriosa, com evidentes ligações ao folclore celta, às danças tradicionais italianas, ao canto gregoriano e à música barroca, com paisagens remotas a servirem de inspiração a toda a composição.

A capa do disco é um detalhe do "Jardim das Delícias" de Hieronymus Bosch é a cereja em cima de um bolo muito bem recheado. Outros discos excelentes dos Dead Can Dance são Within the Realm of a Dying Sun (1987), Into the Labyrinth (1993) e Toward the Within (ao vivo) (1994). O ecletismo do duo pode ser constatado nas influências do Médio Oriente que perpassam Rakim, o tema de abertura de Toward the Within:

sexta-feira, maio 11, 2007

11. The Doors (1967) - The Doors


Adivinha: Para além de sermos do signo Sagitário, o que é que eu (Fernando Piano) e o Jim Morrison (vocalista dos Doors) temos em comum?

Ouvi este disco pela primeira vez quando tinha 18 anos de vida e era facilmente impressionável. Para além da energia que transpira por todos os poros, o disco marcou-me pela mudança paradigmática que provocou na música rock: era possível encontrar nas trevas, na revolta e no incorformismo, uma alternativa à luz, às flores, aos hippies e ao sol da California dos Beach Boys. Até este disco, os meus ouvidos escutavam maioriamente música pop comercial, mas foi com os Doors que dei os primeiros passos na escuridão...

Os solos de teclas de Ray Manzarek, a guitarra blues de Robby Krieger, a bateria de John Densmore e a voz intensa/alucinada/sussurada do deus sexual Jim Morrison tranformaram o que seria uma banda de blues rock vulgar num inesquecível portento musical. Deste disco em particular diz-se que demorou apenas 6 dias a gravar, o que ilustra bem o génio explosivo e criativo da banda, que ainda viria a gravar outro (Strange Days) durante o ano de 1967. Mas o que mais impressiona no primeiro álbum dos Doors é a riqueza da composição musical associada à inspiração poética de Jim. Se é verdade que a poesia de Jim Morrison nunca recebeu o acolhimento da crítica que o seu autor desejava, também não é menos verdade que foram os seus melhores escritos que acabaram musicados.

Os temas mais fortes do disco são o hit Light My Fire, o teatral Alabama Song (Whiskey Bar), a balada Crystal Ships, a batida infecciosa de Break On Through e o épico edipiano The End. Para recordarem o fabuloso The End:

terça-feira, maio 08, 2007

10. Tindersticks II (1995) - Tindersticks


A minha relação com esta obra é especial. Foi de coração apaixonado que os conheci e de coração partido que os vi ao vivo pela primeira vez no Coliseu do Porto, em 1997, num dos concertos mais memoráveis da minha vida.

Quando saiu Tindersticks II, o segundo disco de originais da banda, não conhecia Tindersticks I, mas a música encantou-me desde o primeiro acorde. A voz sedutora de Stuart Staples, a mistura dos instrumentos tradicionais do rock tocados de forma gentil e uma secção de cordas quase sempre arrebatada transformou a face da música alternativa. Quase arrisco que, pelo menos em Portugal, o conceito de música “alternativa” se tornou uma moda com os Tindersticks, em particular quando o álbum “Curtains” chegou aos primeiros lugares do top nacional e a banda encheu os Coliseus.

Apesar da sedução comercial exercida por Curtains, é com Tindersticks II que a banda atinge o seu zénite. São 70 minutos de música perfeita, letras de um sarcasmo romântico inigualável e um alinhamento memorável, incluindo Tiny Tears, She's Gone, Another Night In, e o fabuloso My Sister, com uma prosa trágico-cómica de primeira apanha. A introdução pontual de instrumentos pouco vulgares no horizonte rock, como sejam o trombone, o violoncelo e o serrote (!) proporcionam momentos musicais surpreendentes que constituem uma delícia sonora para os ouvidos mais sensíveis.

Outro dos momentos mais intenso de Tindersticks II é Travelling Light, um dueto com Carla Togerson (vocalista dos Walkabouts) que podem ver e ouvir aqui: