quinta-feira, junho 28, 2007

19. Bring On the Night (1986) - Sting


Para quem conhece bem este blog, esta deve parecer uma estranha escolha. Para alguns poderá ser demasiado comercial; para outros, apenas um apeadeiro na carreira de Sting. Para mim, tem um significado muito especial: foi o primeiro disco de música verdadeiramente boa que gostei, ou melhor, aprendi a gostar. Confusos? Eu explico.

Quando tinha 16 anos, só ouvia música má: Wham!, Duran Duran, Modern Talking, Kim Wilde, A-ha, entre muitos outros pimbas anglo-saxónicos. Este Bring On the Night foi uma revolução para os meus ouvidos. Na altura, os meus amigos gostavam de música muito mais comercial e ligeira, pelo que a repetida audição deste disco não lhes passava pela cabeça. Mas, o que é que faz de Bring On the Night um disco especial?

Sting tinha já uma longa carreira na música pop-rock quando editou este álbum feito de versões da sua antiga banda - The Police - misturadas com originais seus. Até aqui nada de novo. Mas Sting adoptou uma perspectiva revisionista. Pegou em todos aqueles temas pop e transformou-os em versões de fusão com o jazz. Não o fez sozinho. Teve a ajuda de verdadeiros "monstros" da história do jazz, como sejam Branford Marsalis (tocou com Art Blakey, Dizzie Gillespie, Miles Davis e Wynton Marsalis), Omar Hakim (baterista dos Weather Report), Darryl Jones (baixista de Miles Davis) e Kenny Kirkland (teclista de Dizzie Gillespie e Wynton Marsalis). Nas vozes, o disco conta ainda com Janice Pendarvis, que havia trabalhado com Philip Glass, Laurie Anderson, Robert Flack e Peter Tosh, e Dolette McDonald, que colaborou com os Police, Talking Heads e Laurie Anderson.

Sem surpresa, o disco é uma fabulosa demonstração como temas de estúdio podem ser recriados ao vivo num formato integralmente diferente. As versões remisturadas de One World/Love is the Seventh Wave e Bring on the Night/When the World is Running Down são testemunhos da capacidade criativa e irreverente de Sting, demonstrando uma invulgar humildade, que segundo consta não é nada típica do músico-professor. Os solos de saxofone de Marsalis e os solos de piano de Kirkland, infelizmente desaparecido em 1998, tornam o disco um verdadeiro "must have" para apreciadores de jazz.

O meu gosto por este disco transformou-me num pária entre os meus amigos mais chegados. "Lá vem este com o jazz", costumavam dizer. Essa segregação valeu a pena. O inconformismo demonstrado na altura viria a alargar-se para muitas outras áreas da música, confirmando que "não se deve negar à partida uma ciência que se desconhece..."

Bring On the Night, em versão abreviada (o original tem 11 minutos e 42 segundos), pode ser escutado aqui. Os saudosistas podem comparar esta versão jazz, com o original "reggae-pop" dos Police, também disponível no You Tube.

sexta-feira, junho 22, 2007

São João com Philip Glass


No âmbito das celebrações do seu septuagésimo aniversário, Philip Glass traz a digressão Solo Piano ao Theatro Circo, em Braga, dia 24 de Junho, pelas 22 horas. Embora os seus trabalhos para piano a solo não sejam os meus preferidos, esta é uma oportunidade única, talvez a última, para ver Glass ao vivo a interpretar os seus próprios temas. Para ouvir alguns dos momentos mais representativos da carreira do músico americano passem pelo sítio oficial: Philip Glass.
Esperemos que o público de Braga seja mais compreensivo do que o de Springfield... hehehehe!!!

terça-feira, junho 19, 2007

18. Ende Neu (1996) - Einstürzende Neubauten


O primeiro automóvel que comprei, em 1995, foi um usado: um Alfa Romeo 33 1.5 de cor preta e a gasolina. Lembro-me do entusiasmo com que fui orgulhoso proprietário, durante uns 4 anos, de um carro que tinha um péssimo cadastro de segurança passiva e bebia gasolina como um viajante que encontra um oásis no deserto bebe água. Era um carro com muitos defeitos, mas tinha sido adquirido com o esforço do meu trabalho e possuia uma característica que desculpava todos os outros defeitos: nenhum motor soa igual ao de um Alfa Romeo. A publicidade dizia que era um "Cuore Sportivo" e o motor do Alfa era isso mesmo, o meu coração mecânico.

Por isso, não admira que quando saiu Ende Neu (1996) dos Einstürzende Neubauten tenha estabelecido uma ligação muito especial com este disco. Eu explico: o tema NNNAAAMMM (acrónimo para New No New Age Advanced Ambient Motor Music Machine) conta com a participação especial de um motor de Alfa Romeo que, no mínimo, dá um carácter inovador à secção de percussão da banda. Em abono da verdade, diga-se que este tema conta com mais alguns contributos revolucionários: um berbequim eléctrico Bosch, um compressor a vapor Bauknecht, um caterpillar Case 2004, entre outros protagonistas menos conhecidos. O mais extraordinário é que tudo soa razoavelmente melódico, e até comercial, sobretudo se comparado com os primeiros dez anos da carreira dos Einstürzende Neubauten. Para os mais versados em música contemporânea alemã terem uma ideia, NNNAAAMMM é uma espécie de Kraftwerk no final do milénio, tingido com música concreta à la Karl-Heinz Stockhausen. Impossível não gostar!

Tal como a música de Nick Cave se tornou mais acessível com o passar dos anos, também Blixa Bargeld, vocalista dos EN e membro dos Bad Seeds, modificou a sonoridade da banda, provavelmente de forma involuntária, tornando-a mais audível. A prova disso mesmo é que há, neste álbum, excelentes temas, com um formato relativamente convencional e capazes de atrair uma audiência mais alargada. Aproveito para recomendar The Garden, Die Explosion Im Festspielhaus e, claro, Stella Maris. Esta última foi escolhida no You Tube para representar esta obra e mistura dois temas que me são extremamente queridos: o Amor e as viagens. Especialmente recomendado para aqueles cujo pensamento possui asas...

quarta-feira, junho 13, 2007

17. The Lamb Lies Down on Broadway (1975) - Genesis


Em Itália, o 17 é o número do azar, mas, no país em forma de bota, os Genesis de Peter Gabriel nunca tiveram outra coisa senão sorte. Desde a sua formação, no longínquo ano de 1968, os italianos desenvolveram uma relação priviligiada com a banda e esta retribuia dizendo que "quando nos queremos sentir bem, vamos para Itália". Esta relação especial com o público italiano corresponde a "um fenómeno de culto".

Em 1975, os Genesis já não eram apenas um fenómeno de culto quando lançaram aquele que viria a ser considerado, por todos os verdadeiros fãs, como o melhor disco de sempre da banda. Curiosamente, ou talvez não, eram vistos como uma banda para público masculino. Os temas não eram românticos, Peter Gabriel não era um sex-symbol e vestia roupas excêntricas em palco, de forma que nem a sua cara era visível, e na música predominavam os instrumentais e/ou as letras com significado obscuro.

Por tudo isto, lançar um duplo álbum de originais era uma manobra editorial que requeria alguma coragem e uma grande dose de auto-confiança. The Lamb Lies Down on Broadway, ou simplesmente The Lamb, revelou-se um disco invulgar por várias razões. Por um lado, é um disco que conta uma história. Não uma história lamechas do género de Tommy dos The Who ou um conto paranóico à moda de The Wall dos Pink Floyd, mas sim uma narrativa surreal, repleta de referências oníricas, satíricas e mitológicas. A história é suficientemente complexa para despertar a curiosidade a desconhecidos.

The Lamb é também um acto de coragem porque não pisca os olhos aos tops. É uma obra sem compromissos comerciais e, por essa razão, faz mais sentido quando ouvida integralmente e na sequência em que foi criada. Alterna temas longos (In the Cage, The Lamia ou The Colony of Slippermen) com suaves momentos de transição instrumental (Hairless Heart, Silent Sorrow in Empty Boats, e The Ravine). Sublinham-se ainda saudáveis doses de experimentalismo (The Waiting Room), surrealismo (Carpet Crawlers, The Chamber of 32 Doors) e teatralidade (The Colony of Slippermen). Como se toda esta diversidade não fosse já por si cativante, há ainda algumas canções de formato mais tradicional como Counting Out Time, Lilywhite Lilith e Back in N.Y.C., esta última tendo sido alvo de uma versão por Jeff Buckley e editada no álbum póstumo Sketches for my Sweetheart the Drunk.

Apesar dos aspectos notáveis de toda esta obra, não há gravações em vídeo ou filme, o que ajudou a torná-la mítica. No You Tube, local de eleição para procurar gravações raras, todas as interpretações de músicas deste álbum com a formação original dos Genesis alternam películas de filme original com imagens fotográficas dos mesmos concertos desta digressão. Um exemplo destes documentos cinematográficos precários é a selecção que escolhi para aqui, uma interpretação teatral de Peter Gabriel em In the Cage:

A excentricidade de Peter Gabriel era tão grande que, por vezes, usava máscaras que dificultavam a interpretação dos temas, como é notório nesta rara interpretação de The Colony of Slippermen:

Para aqueles que são pouco dados a achados arqueológicos per se e preferem ver como aparentavam os Genesis com Peter Gabriel, nada como apreciar uma gravação para televisão do tema Musical Box realizada em 1972 e que é hoje um verdadeiro clássico. Se tiverem paciência para ouvir a interpretação integral, reparem nas mudanças de ritmo e melodia. O tema começa quase como uma caixa de música, mas chega a atingir momentos daquilo que um crítico recente chamou proto-grunge. Quase diria que Peter Gabriel é... lindo! As suas letras falam de Nat King Cole, infantários, croquet e caixas de música. Phil Collins é o hippie da bateria, Michael Rutherford quase invisível no baixo, e os dois génios musicais da banda em todo o seu esplendor: Tony Banks nas teclas e Steve Hackett, um guitarrista com formação clássica, na guitarra solo. O vídeo e a banda podem aparentar datados, mas há aqui contributos que irão influenciar diversos movimentos musicais dos anos 80 e 90.

quinta-feira, junho 07, 2007

16. The Good Son (1990) - Nick Cave & The Bad Seeds


Ouvi Nick Cave pela primeira vez com 18 anos. Não foi nos The Boys Next Door a cantar "I've been contemplating suicide..."(Nota: primeira banda de Nick Cave, quando este tinha 16 anos); também não foi a gritar desalmadamente nos Birthday Party; nem sequer era Nick a suplicar From Her to Eternity no filme de Wim Wenders "As Asas do Desejo". Nada disso. A primeira vez que ouvi Nick Cave foi a cantar em português o tema Foi Na Cruz, do álbum The Good Son. Desde aí nunca mais deixei de gostar de Nick Cave, da sua poesia, da sua música e da sua personalidade, isto apesar de algumas desilusões ao longo dos anos, como foi o caso de Nocturama, que é, sem dificuldade, o pior disco alguma vez editado pelo homem.

Em The Good Son, Nick Cave assume uma postura menos revoltada, quase soft, relativamente liberta de drogas e, influenciado pelo seu namoro com a estilista brasileira Viviane Carneiro, compõe o já mencionado Foi Na Cruz, baseado na canção tradicional brasileira de inspiração religiosa. Mas as canções que ficam para a história são sobretudo as baladas The Ship Song e Lucy, num registo melódico até aqui quase desconhecido para os fãs de Nick. Pessoalmente, e numa veia mais depressiva, nada supera The Weeping Song, que se tornou a minha canção favorita deste disco e uma das minhas predilectas de toda a carreira de Nick com os Bad Seeds. Para recordarem este tema, deixo-vos com o seu vídeo-clip entre o genial e o kitsch...