segunda-feira, setembro 22, 2008

1974. New Skin for the Old Ceremony - Leonard Cohen

A maioria dos aficionados de Leonard Cohen dirá que esta é uma escolha estranha. Cohen tem vários discos excelentes, começando no final dos anos 60 (Songs of Leonard Cohen, 1967, Songs from a Room, 1969 e Songs of Love and Hate, 1970), passando pelos anos 80 (Various Positions, 1984 e I'm Your Man, 1988) e até ao início dos anos 90 (The Future, 1992). A escolha de New Skin for the Old Ceremony para 1974 prende-se com questões de humildade. Ser músico e ser humilde era coisa rara em 1974. A grandiosidade dos arranjos, os excessos da instrumentação, os sintetizadores vertiginosos dominavam os tops com os Pink Floyd, Genesis, Yes, entre muitos outros do mesmo género. O próprio Cohen teria um colapso do mesmo tipo com o embaraçoso Death of a Ladies Man, 1977.

Mas em New Skin, o prato servido pelo canadiano vintage tem uma receita muito mais simples. Temas curtos, instrumentos acústicos e a voz de Cohen a entoar poemas sobre amar, viver e deixar. Os inegáveis méritos de Cohen enquanto poeta romântico são realçados pela música que o acompanha. Aqui, como em mais lado nenhum, percebe-se imediatamente que as letras são escritas antes da música e ainda bem para todos nós! Na abertura de Is This What You Wanted, Cohen diz ao que vem:

"You were the promise at dawn,
I was the morning after.
You were Jesus Christ my Lord,
I was the money lender.
You were the sensitive woman,
I was the very reverend Freud.
You were the manual orgasm,
I was the dirty little boy."

Assim mesmo, sem meias palavras. Se é apreciador(a) de poesia vai deliciar-se com Chelsea Hotel, Field Commander Cohen, There is a War e, o meu favorito, Who By Fire. Estranhamente, foi Lover Lover Lover, aqui numa interpretação despojada, que me encaminhou para Leonard Cohen há já quase duas décadas, quando Ian McCulloch (vocalista dos Echo & The Bunnymen) gravou o tema a solo e o tornou um êxito indie dos meus 18 anos.

Projecto 200 anos de música. A ideia é simples. Ao longo de duzentas entradas, o Piano na Floresta vai listar duzentas obras musicais, uma por cada ano, iniciando a contagem decrescente a partir do ano 2000. Se tudo correr conforme planeado, será possível identificar um disco ou uma obra composta em cada um dos anos no intervalo entre o ano 1800 e o ano 2000. Não há limitações de género musical. A qualidade e a reputação da obra não constituem critério de escolha, embora se entenda que ela é, de algum modo, representativa do ano em questão.

quinta-feira, setembro 11, 2008

1975. Nighthawks at the Diner - Tom Waits


Os alucinogénios alimentaram a produção literária de Huxley. Bukowski era incapaz de escrever uma linha sem a companhia da garrafa. O ópio era o motor do génio de Burroughs. E até os Beatles só foram verdadeiramente geniais com a ajuda do LSD e da Cannabis. A ideia recorrente de que a genialidade depende da ingestão em quantidades desmesuradas de substâncias aditivas incomoda-me. Desde que casei e adoptei um saudável horário de trabalho que a única substância que consumo em doses excessivas é a cafeína. Inspira-me a actividade científica e académica, mas temo que os resultados em termos de crítica musical sejam deprimentes, como o poderá comprovar esta crónica vazia de ideias.

Este intróito serve para manifestar a minha inveja pelo estado de embriaguez permanente de Tom Waits quando produziu esta obra magistral, gravada ao vivo em 1975, entre uma mão cheia de privilegiados, num estúdio em Hollywood, Califórnia. O ambiente no estúdio lembra-nos um piano bar fumarento, pintado com cortinas de veludo roxo e decorado com fregueses colados ao balcão, face a um empregado entediado pela ausência de gorjetas que compensem o diálogo mantido com as moscas de bar embriagadas.

Mas há sempre a possibilidade de eu estar enganado quanto a este ambiente. O título do disco – Nighthawks at the Diner – é inspirado pelo fabuloso quadro do pintor do realismo americano Edward Hopper. A representação da luz, a nostalgia da América passada e a separação entre o espaço interior, mais acolhedor, e o espaço exterior, mais hostil, ajudam a melhorar o imaginário que acompanha o disco de Waits. (A propósito de Hopper, se um dia ganhar o Euromilhões, compro um original.)

Depois há esse detalhe das canções. Ainda não falei delas. Piano e voz bastam a este crooner genial, que não necessita de exposição mediática para se fazer rodear por uma legião de admiradores. Mas a banda que o acompanha, torna todo este affair ainda mais apetecível, na linha de um excelente clube de jazz que não tem hora prevista de fecho. As longas explicações entre canções são momentos hilariantes, ao nível do melhor cómico de stand-up: “Conheço uma mulher que já casou tantas vezes que até tem marcas de arroz na cara.” Pois… para isso é preciso viver muito e de modo especial, mais ou menos a história de vida do músico. Tom Waits não precisa de elogios; precisa que o ouçamos a viver.

Nighthawks at the Diner (1942) by Edward Hopper

Projecto 200 anos de música. A ideia é simples. Ao longo de duzentas entradas, o Piano na Floresta vai listar duzentas obras musicais, uma por cada ano, iniciando a contagem decrescente a partir do ano 2000. Se tudo correr conforme planeado, será possível identificar um disco ou uma obra composta em cada um dos anos no intervalo entre o ano 1800 e o ano 2000. Não há limitações de género musical. A qualidade e a reputação da obra não constituem critério de escolha, embora se entenda que ela é, de algum modo, representativa do ano em questão.

terça-feira, setembro 09, 2008

Impressões de Boston


Para uma grande cidade americana, Boston é diferente do habitual. É mais antiga, mais compacta e, de certo modo, mais europeia. Depois de já ter estado nas "capitais da dispersão urbana" como Los Angeles, Atlanta ou Denver, posso afirmar que Boston é completamente distinta. As pessoas caminham mais do que é usual, as lojas são mais pequenas e os prédios têm pátios frontais decorados com flores e relva. Ao contrário de muitas outras cidades americanas, que se encontram divididas em zonas comerciais, industriais e residenciais, Boston possui bairros (Back Bay, South End, Beacon Hill, North End e, claro, Cambridge) onde os habitantes trabalham, estudam, comem e dormem sem serem necessárias grandes deslocações.

Para o visitante desprevenido, a maior dificuldade reside na noite. Boston é uma cidade muito escura, com iluminação pública deficiente e atravessada por becos estreitos e sinistros a lembrar o East End londrino dos tempos do estripador. Só "public alleys" são mais de 400 (!), a julgar pela numeração que os acompanha. Um amigo italiano que aqui vive há alguns anos diz que Boston é uma cidade gótica, talvez por lhe fazer lembrar as cidades alemãs de menor dimensão que ainda preservam arquitectura antiga.

quarta-feira, setembro 03, 2008

Mau Tempo nos Açores

Aqui estou eu de regresso, após uma longuíssima ausência em relação íntima com o Atlântico, primeiro nos Açores e depois em Boston. Mas já lá vamos...
Alguém me explica a razão pela qual a meteorologia do continente prevê, durante o ano inteiro, céu muito nublado e/ou chuva para os Açores? Tinha algumas suspeitas que essas previsões eram uma treta e os meus receios confirmaram-se. Estive uma semana nas ilhas da Terceira e do Faial e a única água doce com que tive que lidar foi a da piscina. Elevada humidade no ar, temperatura amena, sol... os Açores parecem um paraíso tropical. Só faltam mesmo as praias com areia branca e palmeiras. Até a água do mar é transparente como um vidro! Imagine-se até que eu, que cultivo a pele alva e uma certa aversão saudável ao sol, regressei semi-moreno!
Serão as previsões dos meteorologistas um truque para evitar excesso de procura? Ambas as ilhas são divinas e as cidades de Angra (Terceira) e Horta (Faial) são óptimos destinos turísticos, cada uma à sua maneira. Angra do Heroísmo é uma cidade organizada, limpa, com uma arquitectura encantadora, ou não fosse ela património da humanidade. Horta destaca-se pela hiper-movimentada marina, que domina toda a baía e é visível de qualquer local da cidade, que trepa pela encosta. Olhar para o fundo da marina e ser capaz de vislumbrar cardumes de peixe através da água límpida é surpreendente, tanto mais que se trata de uma das marinas mais cosmopolitas da Europa, ponto de passagem de milhares de embarcações provenientes dos quatro cantos do mundo. O peixe fresco, das mais variadíssimas espécies, cozinhado de múltiplas maneiras, a tenra e suculenta alcatra e os doces e sumarentos ananazes tornaram ainda estas férias numa experiência gastronómica cheia de pequenos prazeres.
Pela amostra, a região autónoma dos Açores é o mais próximo que Portugal possui de um paraíso tropical. O desenvolvimento sustentável que parece caracterizar a região, é indicador da excelente utilização da autonomia regional e permite manter uma ténue fé na classe política. Afinal, parece que nem todos os políticos destroem os territórios pelos quais são responsáveis...