Este video do neozelandês Jonathan Bree mistura o belo, o sinistro e o retro. A música é cinemática, um misto de marcha e hino, e a letra carregada de humor negro... bem, digamos que é a primeira música pop a rimar 'biophysicist' com 'dimmest' e inclui ainda estas preciosidades:
"We can’t help nor shake this feeling Two sophisticated monkeys Coping with their devolution Thankfully there’s contraception"
"When our eyes meet There's no poetry No symphony It’s only lousy infidelity"
...Nada como uma visão desencantada da ecologia. Rushing to Paradise, do recentemente falecido J.G. Ballard, é um exemplo acabado de como as melhores intenções de alguns em defesa do ambiente, podem ser distorcidas por uma liderança demente e redundar num apocalipse tropical. Ou de como a tentativa de proteger o albatroz de testes nucleares franceses numa ilha remota do Pacífico Sul termina numa espécie de campo de extermínio no paraíso.
O cenário é o campo de prisioneiros alemão Stalag VIII A em Görlitz (actualmente Zgorzelec, Polónia) em que o compositor francês Olivier Messiaen está internado. A 15 de Janeiro de 1941, cerca de 400 prisioneiros acompanhados por guardas alemães reúnem-se para assistir à estreia do Quarteto para o Fim do Tempo, música de câmara composta por Messiaen para os instrumentistas internados no campo: um clarinetista, um violinista e uma violoncelista. Messiaen juntou-se-lhes ao piano para formar um quarteto invulgar e que constitui hoje a mais famosa peça de música de câmara contemporânea.
Rebecca Rischin (2003) relata na sua obra For the End of Time: The Story of the Messiaen Quartet que um dos guardas alemães do campo, Karl-Albert Brüll, apreciador da música do compositor, proporcionou-lhe condições 'excepcionais' para que pudesse trabalhar. Para além de lápis, borrachas e papel de música, foi permitido a Messiaen isolar-se num quarto vazio com um guarda de plantão à porta para evitar que fosse incomodado (Rischin, 2003; Ross, 2007).
O Quarteto para o Fim do Tempo é uma obra dividida em 8 andamentos, totalizando aproximadamente 50 minutos. Embora o contexto em que foi composta possa sugerir a associação entre o regime Nazi e o apocalipse, a intenção do compositor reporta-se, em abstracto, ao fim do tempo, passado e futuro, e ao início da eternidade. Segundo o próprio Messiaen, o Quarteto é uma espécie de extensão musical da passagem do Livro do Apocalipse (capítulo 10) sobre a descida do sétimo anjo ao som de trombetas consumando o mistério de Deus e anunciando o fim do tempo.
Para ilustrar a obra escolhi o primeiro andamento, intitulado Liturgia de Cristal e descrito pelo próprio Messiaen como representando o canto solitário de despertar às 3 ou 4 da manhã de um melro (o clarinete) e de um rouxinol (o violino) rodeados por um som difuso, por um halo de trinados que se perde pela copa das árvores. Transposto para o plano religioso tal equivale ao silêncio harmonioso do Céu.
Referências: Rischin, Rebecca (2003) For the End of Time: The Story of the Messiaen Quartet. Ithaca, NY: Cornell University Press. Ross, Alex (2007) O Resto é Ruído: À Escuta do Século XX. Alfragide: Casa das Letras.
Projecto 200 anos de música. A ideia é simples. Ao longo de duzentas entradas, o Piano na Floresta vai listar duzentas obras musicais, uma por cada ano, iniciando a contagem decrescente a partir do ano 2000. Se tudo correr conforme planeado, será possível identificar um disco ou uma obra composta em cada um dos anos no intervalo entre o ano 1800 e o ano 2000. Não há limitações de género musical. A qualidade e a reputação da obra não constituem critério de escolha, embora se entenda que ela é, de algum modo, representativa do ano em questão.
Embora 2009 tenha sido um ano com menos entradas neste blog do que era habitual, a música continua omnipresente na minha vida. Seguem-se 10 excelentes álbuns que fizeram parte das minhas escutas regulares ao longo do ano de 2009.
A Sinfonia nº7 de Shostakovich foi escrita em 1941 durante a invasão da União Soviética pela Alemanha Nazi e constitui uma glorificação do espírito de resiliência que caracteriza o ser humano quando colocado perante situações extremas de agressão, sofrimento e desespero. A sua paisagem sonora evoca momentos de conflito, violência e pânico alternados com a desolação, a descrença e a inércia associadas ao sentimento de quem tudo perdeu.
A obra foi estreada em 1942 durante o longo cerco (870 dias) da cidade de Leninegrado e recorreu a todo e qualquer músico que pudesse ser libertado do esforço de guerra, de modo a completar a delapidada Orquestra da Rádio de Leninegrado.
Esta é uma sinfonia de excessos. Musicalmente, oscila entre melodiosos temas pastorais, construídos em torno flautas celestiais, harpa e violino e a violência sonora e marcial, de que é exemplo toda a secção central do primeiro andamento. Os excessos da 'Leninegrado' revelam-se ainda pela sua duração. O primeiro andamento marca uns obscenos 26 minutos e a sinfonia no seu todo regista mais de 75!
Projecto 200 anos de música. A ideia é simples. Ao longo de duzentas entradas, o Piano na Floresta vai listar duzentas obras musicais, uma por cada ano, iniciando a contagem decrescente a partir do ano 2000. Se tudo correr conforme planeado, será possível identificar um disco ou uma obra composta em cada um dos anos no intervalo entre o ano 1800 e o ano 2000. Não há limitações de género musical. A qualidade e a reputação da obra não constituem critério de escolha, embora se entenda que ela é, de algum modo, representativa do ano em questão.