sábado, dezembro 03, 2005

Crucifixos, Véus e Outra Parafernália Religiosa

A polémica gerada em torno da presença de crucifixos nas escolas incomoda-me. Sou católico não praticante, a "religião" da grande maioria dos portugueses, e devo dizer que a presença ou ausência de crucifixos me deixa relativamente indiferente. Compreendo que sempre que alguém de outra religião se manifeste incomodado com a presença de um crucifixo na parede de uma instituição pública, seja obrigação dos responsáveis a retirada do dito objecto. O respeito pelas outras religiões assim o justifica.

Já tenho maior dificuldade em compreender o argumento da separação entre Igreja e Estado. Não posso deixar de discordar daqueles que defendem a laicidade com a mesma cegueira do fundamentalismo religioso, ignorando centenas de anos de tradição judaico-cristã em Portugal. Tirar os crucifixos das paredes a todo custo, pela simples razão de termos um "Estado laico", menospreza valores actualmente promovidos pela Igreja Católica que deveriam ser preservados, como sejam a paz, o respeito pelos outros e o diálogo ecuménico.

A experiência francesa de proibição da ostentação de objectos religiosos nas escolas por parte dos/as alunos/as é um exemplo do tal fundamentalismo laico e jacobino que critico. Um sector da sociedade americana também considera a hipótese de acabar com o moto "In God We Trust", que tem mais de duzentos anos e expressa um conjunto de valores comuns aos "Founding Fathers". Estes movimentos mais radicais de secularização passam uma mensagem de intolerância e seriam impensáveis, pelo menos nos tempos mais próximos, num país como Portugal.

Mas, apesar disso, fico preocupado com o discurso inflamado da esquerda mais radical, que sente horror com a possibilidade dos miúdos ficarem "contaminados" pelo "vírus do cristianismo", só por haver um crucifixo na sala onde têm aulas. Só para os descansar, devo dizer que estudei 12 anos num colégio católico e nem me recordo se existiam ou não crucifixos nas salas de aula. Provavelmente existiam. Seja como for, não é isso que determina se alguém é não um bom cidadão.

P.S.: Francisco Sarsfield Cabral escreve sobre o assunto no DN de hoje.

11 comentários:

Helena Martins disse...

Acho que o exemplo francês é mesmo demasiado extremista, proibir as pessoas de andar com o cabelo tapado, ou com determinadas vestes é um radicalismo que não estamos a enfrentar. Pessoalmente, não vejo nada de errado com o retirar dos crucifixos da parede, pelo contrário: se não se dão as aulas baseados na religião católica e se na verdade não se pretende fazer nenhuma afirmação pró-catolicismo em concreto, porque não retirar os crucifixos? Também não acho que isso seja voltar as costas a todos os bons princípios que a Igreja católica defende... Pelo contrário, acho que qualquer pessoa de outra religião ficaria numa situação bastante desagradável por ter de pedir aos responsáveis pelos edifícios públicos para retirar o simbolo de algo que estes provavelmente defenderão também...*inhos

K. disse...

Concordo, Fernando. A cidadania não pode ter nada a ver com religião, não são meros artefactos religiosos que podem influenciar a formação do caracter social de uma criança ou docente.

Anónimo disse...

claro que a existencia de um crucifixo nao determinar coisa nenhuma.
por outro lado
acho que seria mais interessante o ensino da tolerancia perante as restantes religioes.

Anónimo disse...

faltava qualquer coisa


parabens pelo gosto musica


pela refrencia ao "meu" john cage.


faltaria aqui "os meus" satie webern e varese

AEnima disse...

Acho melhor não comentar fernando porque sou das "fanáticas" que acredita que o Estado deve ser laico e nenhum simbolo público deve ter qualquer coisa que seja remotamente religiosa. É das coisas que me provocam vómitos, as "verdinhas" americanas com o "in god we trust" puritanismo mais hipócrita geeezzzz. Isso óbviamente não significa que sou a favor da proibição dos veus muçulmanos nas escolas francesas - acima de tudo a liberdade de expressão (em todos os aspectos). Desde que os muçulmanos não obriguem ninguém a rezar, também ainda não proibiram os góticos pintados de preto de entrar na escola, nem os tatuados... não tarda muito não podemos entrar de doc martens e estamos de novo a usar uniformes! Não confudir a necessidade de um estado laico com a interferência desse mesmo estado na liberdade de expressão dos cidadãos.

AEnima disse...

Desculpa-me a construção frásica lamentável e a falta de acentos e maiúsculas... ando cansada beyond repair....

Fernando disse...

Holeart: Também gosto de Satie, tenho de procurar o link...

Elsa: És livre de criticar sem ofender gratuitamente. Gosto de discutir ideias respeitando os outros.

Todos: Já estiveram internados num hospital público? É bem provável que tivesse uma capela católica e cruxifixo no quarto. Também é um local público/estatal, mas não ouvi ainda ninguém manifestar-se contra esse facto...

folhasdemim disse...

Sou católica não praticante e concordo contigo. Beijokas :)

AEnima disse...

Por acaso já estive muitas vezes em hospitais públicos, só uma vez internada felizmente mas muitas vezes a fazer companhia a entes queridos, infelizmente. Digo-te que os cruxifixos são muito mais frequentemente vistos em casas de saúde e contra isso nada porque são instituições religiosas que as criaram e trabalham lá para servir os doentes. Já num hospital público não acho bem. Até te digo que no quarto onde a minha tia estava internada quando foi operada ao seu cancro da mama, não tinha cruxificos, mas uma outra senhora velhinha levou a sagrada família e rezava o tempo todo. Uma outra velhota tratava-a mal e dizia-lhe o dia todo que ela podia rezar até ficar sem voz que não era isso que lhe ia tirar o tumor. Sou completamente contra o que a velhota B dizia à A, mas também acho que as preces da A tão alto todo o dia incomodavam toda a gente... eu que estava de férias e aproveitei para arranjar uns divervimentos para aquelas senhoras, levava jogos, lia-lhes histórias, trocava as flores das jarras delas, penteava-as e punhas-lhes rouge para ficarem bonitas para quando viessem os familiares delas (sim, porque muitas eram de muito longe e estavam lá literalmente abandonadas), as rezas da velhota A até davam comigo em doida às vezes... a minha tia que era a mais nova delas todas tb já não a suportava. Tenho a certeza que as 6 senhoras que estavam naquele quarto eram católicas, no entanto acho que a liberdade de praticar uma religião para quando incomoda a do outro... há outras formas mais subtis de se rezar e ter fé. Era só esse ponto de vista que queria mostrar - a moderação e não necessidade de exibicionismo, que se aplica a tudo: religião, orientação sexual, partidária, etc.

AEnima disse...

Gostava também de dizer que quando a minha irmã esteve internada numa casa de saúde privada de católica, pedimos para tirar o cruxifixo que ficava mesmo por cima da cabeça dela e as enfermeiras freiras foram de extrema simpatia, fizeram logo isso, e durante os 10 dias que a minha irmã lá esteve continuaram a tratá-la com extremo carinho. Muito mais educadas religiosamente e menos fanáticas do que o comum dos crentes.

Anónimo disse...

bem, digamos que é uma opinião...mas já agora..."católico não praticante"? por amor de Deus...maldita gente que inventou o termo.Já viu isso em mais algum lado? Já ouviu por acaso dizer "benfiquista não praticante"? Ou "blogger não praticante"? Dá que pensar, não? Acho que é preciso reflectir sobre o que se é e o que se pretende ser. Será que ser católico não implicará determinadas práticas que o distingam dos demais? Logo, ser católico não implicará, à partida, ser praticante?