quarta-feira, fevereiro 07, 2007

A Sul de Nenhum Norte

Uma palavra: Bukowski. A primeira vez que se lê é surpreendente, quase chocante. O estilo é fácil, directo e rude. Vou mais longe: é como ler Henri Miller sem aquele sexo todo ou uma versão literária de Feios, Porcos e Maus de Ettore Scola. Dir-se-ia que Charles Bukowski passou demasiado tempo da sua vida a limpar latrinas e a sua obra é parte dos escritos das portas de casa de banho. Mas tal seria injusto, dada a capacidade para descrever, de forma visceral, a vida decadente, a dependência alcoólica e a ausência de valores que atravessam toda a sua obra.

O meu primeiro contacto com Charles Bukowski foi com Correios (Post Office, 1971), no original). Nenhuma obra literária fez mais para arruinar a reputação dos carteiros na América como este pedaço de literatura da sarjeta. Bukowski sublinha todos os preconceitos que temos a respeito dos carteiros: o ódio mortal entre esta classe profissional e a raça canina, a tendência para saltarem para a cama de donas de casa carentes, o desrespeito pela autoridade dos superiores e o tratamento desprezível prestado aos utentes. Tudo isto aparece descrito de forma extremamente colorida nesta novela de ler e chorar por mais. Confesso que, inicialmente, ainda senti alguma piedade pela pobreza moral do carteiro Henri Chinaski, mas todos os pruridos e simpatia desaparecem ao fim de meia centena de páginas de acontecimentos delirantes e quase inenarráveis.

A segunda experiência foi com A Sul de Nenhum Norte (South of No North (1973), no original), mas foi mais recentemente, com Ham On Rye (desconheço se existe tradução portuguesa) que percebi que grande parte da obra de Bukowski gira em torno desse personagem com muito marginal e autobiográfico (Henri Chinaski). Contudo, nesta obra de 1982, o leitor sente alguma simpatia por Chinaski, quase sempre descrito como um pária, um adolescente desprezado socialmente que deseja viver como um eremita (cf. O episódio do gigantesco ataque de acne que dura quase um ano e o isola por completo dos colegas de liceu). Existem vários personagens desprezíveis nesta obra, mas por Chinaski sentimos alguma simpatia, pelo menos enquanto adolescente. Diria que Chinaski é uma espécie de Adrian Mole para adultos, com borbulhas e tudo. Todavia, a adolescência amarga desemboca num adulto alcoólico, beligerante e completamente à deriva.

4 comentários:

Anónimo disse...

Olá!

Se gostas de cinema vem visitar-nos em

www.paixoesedesejos.blogspot.com

todos os dias falamos de um filme diferente.

PS- Adoramos o Bukovsky, "A Sul de Nenhum Norte" é fabuloso, lemos também o "Mulheres" e "Correios". No cinema o Bukovsky ou diremos Chinaski foi recriado pelo Mickey Rourke e pelo Ben Gazarra, o nosso favorito, no filme do Marco Ferreri, ao lado da Ornella Mutti

Um Abraço

Paula e Rui Lima

vague disse...

É tb essa a impressão q me ficou. Pode chocar embora se o enquadrarmos dentro de um certo tipo de vida decadente, acabamos por achar naytural e oneredo e a linguagem.
Gosto da crueza, do desapego que me soa tb a solidão. É, há ali muita solidão.

Anónimo disse...

descobri este blog hoje! não acredito ke foi só hoje.
a sensação ke tenho é ke cheguei a uma espécie de paraíso :)) vou-me perder aqui, de certeza.
Grande música ke ouves ... ainda não li nada , apenas olho fascinada.

Anónimo disse...

Bukowski é um dos meus escritores preferidos. «A Sul de Nenhum Norte» tem contos absolutamente notáveis.