Uma palavra: Bukowski. A primeira vez que se lê é surpreendente, quase chocante. O estilo é fácil, directo e rude. Vou mais longe: é como ler Henri Miller sem aquele sexo todo ou uma versão literária de Feios, Porcos e Maus de Ettore Scola. Dir-se-ia que Charles Bukowski passou demasiado tempo da sua vida a limpar latrinas e a sua obra é parte dos escritos das portas de casa de banho. Mas tal seria injusto, dada a capacidade para descrever, de forma visceral, a vida decadente, a dependência alcoólica e a ausência de valores que atravessam toda a sua obra.
O meu primeiro contacto com Charles Bukowski foi com Correios (Post Office, 1971). Nenhuma obra literária fez mais para arruinar a reputação dos carteiros na América do que este pedaço de literatura da sarjeta. Bukowski sublinha todos os preconceitos que temos a respeito dos carteiros: o ódio mortal entre esta classe profissional e a raça canina, a tendência para saltarem para a cama de donas de casa carentes, o desrespeito pela autoridade dos superiores e o tratamento desprezível prestado aos e pelos utentes. Tudo isto aparece descrito de forma extremamente colorida nesta novela de ler e chorar por mais. Confesso que, inicialmente, ainda senti alguma piedade pela pobreza moral do carteiro Henri Chinaski, mas todos os pruridos e simpatia desaparecem ao fim de meia centena de páginas de acontecimentos delirantes e quase inenarráveis.
A segunda experiência foi com A Sul de Nenhum Norte (South of No North, 1973), no original), mas foi mais recentemente, com Ham On Rye (1982) que percebi que grande parte da obra de Bukowski gira em torno desse personagem com muito de marginal e autobiográfico (Henri Chinaski). Contudo, nesta obra de 1982, o leitor sente alguma simpatia por Chinaski, quase sempre descrito como um pária, um adolescente desprezado socialmente que deseja viver como um eremita (cf. O episódio do gigantesco ataque de acne que dura quase um ano e o isola por completo dos colegas de liceu). Existem vários personagens desprezíveis nesta obra, mas por Chinaski sentimos alguma simpatia, pelo menos enquanto adolescente. Diria que Chinaski é uma espécie de Adrian Mole para adultos, com borbulhas e tudo. Todavia, a adolescência amarga desemboca num adulto alcoólico, beligerante e completamente sem rumo.
Agora, na minha estadia em Chicago, aproveitei para adquirir Factotum (1975) e Hot Water Music (1983). O mesmo estilo delirante, a mesma decadência das personagens e uma descrição politicamente incorrecta de sexo com uma prostituta de fazer rir até às lágrimas. O conhecido Matt Dillon interpreta Henri Chinaski na versão para cinema de Factotum (2005), contracenando com Lili Taylor, Marisa Tomei, Fisher Stevens e Karen Young.
1 comentário:
Aguçou-me a curiosidade... Há por cá, ou teremos que mais uma vez recorrer à Amazon?
:)
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