sábado, abril 14, 2007

7. Thunder Perfect Mind (1992) - Current 93


Uma das vantagens de ouvir muita música é ser capaz de separar obras vulgares de raros momentos de beleza poética e sonora. Não há muitos discos que possam ser classificados de eternos, mas Thunder Perfect Mind (1992) dos Current 93 é inegavelmente um deles. Dito isto, é importante dizer que este não é um disco fácil. Numa carreira que conta com mais de 40 discos e 22 anos de existência, havia muito por onde escolher, mas as razões que se seguem explicam, em parte, a escolha.

Thunder Perfect Mind é o mais longo disco de originais dos Current 93, com quase 79 minutos de música, e um dos mais consistentes e articulados do início ao fim. É considerada uma obra-prima dentro do pouco divulgado género do folk apocalíptico, termo usado para descrever música à base de guitarra acústica sombria e letras melancólicas e depressivas. Os textos são notoriamente inspirados na poesia de William Blake e a música nos temas folk inglês de Shirley Collins. Embora a guitarra acústica seja predominante, há aspectos muito pouco convencionais neste disco. Os primeiros 30 minutos (9 faixas) são extremamente melódicos, marcados pela guitarra acústica e pela flauta gentilmente tocadas e pela voz do “outro mundo” de David Tibet. Os meus momentos favoritos são In the Heart of the Wood and What I Found There e A Lament For My Suzanne.

Este excelente disco de música folk muda significativamente de sonoridade a partir da faixa número 10, All the Stars are Dead Now. Inesperadamente, é aqui introduzido um sampler de Saint Louis Blues, um original dos anos 20, do swing e das big-bands. Simplesmente desconcertante. Mas nada prepara o ouvinte para o que se segue. Entra um repetitivo riff de guitarra acústica tocado até à náusea e acompanhado por Tibet a recitar um longo poema, de conteúdo largamente obscuro e ininterpretável, mas que, tanto quanto consigo compreender, é uma profecia sobre o apocalipse. O tom sinistro prossegue com Rosy Stars Tears From Heaven e a voz de Tibet, sinistra na faixa anterior, torna-se aqui simplesmente diabólica, ainda que sussuradamente diabólica.

Como a surpresa é, por vezes, a mãe da genialidade, When the May Rain Comes, uma versão de um original dos Sand, é lindíssima. Os instrumentos usados (baixo, flauta e guitarra) produzem uma sonoridade melódica e a interpretação pelo dueto David Tibet e Rose McDowall faz estragos na mais empedernida insensibilidade. Segue-se o tema título, Thunder Perfect Mind, um crescendo musical ameaçador acompanhado pela leitura de textos do livro homónimo.

Depois de 55 minutos de música deslumbrante, faltava um tema épico para atirar tudo o que é convencional pela janela. Hitler as Kalki dura 16 minutos e 28 segundos e é dedicado ao pai de David Tibet, já falecido, que combateu na II Guerra Mundial. O início é influenciado por música tradicional hindu, mas a peça musical transfigura-se lentamente numa espiral eléctrica, levemente tocada pelo minimalismo, com David Tibet a dissertar sobre Hitler e o apocalipse. No texto que acompanha o cd, Tibet explica-nos que algumas pessoas consideram que Hitler foi Kalki, a décima e última incarnação do Deus Hindu Vishnu, que vem num cavalo branco para destruir o cosmos no final de cada ciclo universal. Tibet incita à reflexão e à oração para que a destruição termine e um novo paraíso e uma nova Terra possam surgir.

Para além de ser um disco místico e experimental, Thunder Perfect Mind é também uma obra complexa sob o ponto de vista lírico. Já tentei interpretar muita da poesia contida nesta obra, mas as conclusões são pouco satisfatórias. Os conteúdos genéricos são o apocalipse, o arrependimento, a piedade e a salvação, mas qualquer interpretação imediata dos textos aqui contidos será, muito provavelmente, errada. Uma crítica aprofundada da reedição do disco aparece aqui.

4 comentários:

Naked Lunch disse...

fiquei com vontade...

disparosacidentais disse...

muito bem apresentado.
(a capa da edição original tem o tibet no lugar do gatinho de wain.)

bitsounds disse...

a primeira vez que ouvi achei estranho, fugia ao som que conhecia dos C93 (os albuns iniciais eram bem diferentes !) mas com o tempo aprendi a gostar e hoje é um dos meus discos favoritos do tibet e companhia ....

Anónimo disse...

olá - não sou anónimo, chamo-me João Carlos Marques C. Silva e vivo em Albergaria a Velha, mas não estava com pachorra para cumprir os protocolos blogger.
Em tempos fui um dedicado seguidor dos Current 93 e continuo a cumprir os discos verdadeiramente fundamentais do David Tibet. Só que tenho a ligeira desconfiança de que actualmente o homem anda um pouco falido de ideias, apesar de "Black Ships..." ser um disco que de certa maneira dá continuidade ao velho "Thunder...". E aí estamos de acordo - esse é o disco mais paradisíaco de Tibet - e talvez por isso mesmo é que contava com Douglas nas guitarras, assim como o insubstituível Cashmore. O sr Tibet juntou-se a pessoas gananciosas ( os outros dois "porquinhos" da World Serpent...) que, com a maior desfaçatez, viveram um bom par de anos à custa de obras fundamentais de artistas honestos que não partilhavam as suas visões "ECU-ménicas" de budismo e cristianismo primitivo - hélas! O sr P., apesar de não ser nenhum santo, deu-lhes uma lição em tenacidade, honestidade e, acima de tudo, coerência. Quando a WSD foi à falência, terá sido um "act-ov-god"? Será caso para dizer "David Tibet practise what you preach"? Na realidade, o grande ex-budista, tornado new-born christian tem vindo a coleccionar embaraços atrás de embaraços junto da sua antiga e enorme legião de fiéis - na qual ainda me incluo, mas já com muito pouca fé.
Das duas vezes que o vi em palco achei-o enfatuado e um pouco contaminado pela new-york-artist-poshness. Quem sabe se deus ainda o vai recolocar no bom caminho...
Quanto ao Piano na Floresta, "keep up the good work".
RSFF para jotakarl777@hotmail.com

heilige!