Escrever sobre Nick Cave é uma tarefa difícil. Deixo isso para os profissionais. É um génio com a dimensão de um poeta maldito como Blake ou Baudelaire. Mas escrever duzentas entradas sem dedicar uma a Nick Cave seria quase um sacrilégio, sobretudo para quem, entre originais, ao vivo e bootlegs, tem mais de uma dúzia de cds do génio.
Your Funeral... My Trial é uma escolha óbvia. Devorado pela heroína, obcecado pela morte, ambivalente em relação à religião, Nick Cave é torturado por emoções como qualquer ser humano, mas numa intensidade elevada à infinita potência. Não é o melhor disco de Cave, mas está entre os melhores. Traduz a verdadeira personalidade do génio e ajuda a perceber porque razão os Birthday Party eram demasiado limitativos para a criatividade do seu front-man.
A primeira vez que ouvi The Carny, na actuação ao vivo em Der Himmel über Berlin (1987), fiquei com os cabelos em pé. O longo poema aterrorizador de personagens a caminho do inferno é acompanhado por uma charanga demoníaca, com pinceladas psicadélicas, com tudo bem regado pela voz ameaçadora do Blake do século XX. Tudo o resto é relativo quando comparado com este magnum opus. Os poemas de Jack's Shadow, Hard On For Love e Stranger Than Kindness são momentos igualmente inspirados. Este último foi escrito por Anita Lane, musicado por Blixa Bargeld e é cantado por Nick Cave. O labor destas almas trigémeas dá à luz um tema de beleza excepcional e cariz intemporal, como apenas os gigantes podem gerar.
Sou demasiado imperfeito para escrever sobre um génio. Aliás, é duvidoso que alguém consiga descrever por palavras, aquilo que só pode ser sentido através da combinação adequada de ouvidos apurados, mente em expansão e coração selvagem.
Projecto 200 anos de música. A ideia é simples. Ao longo de duzentas entradas, o Piano na Floresta vai listar duzentas obras musicais, uma por cada ano, iniciando a contagem decrescente a partir do ano 2000. Se tudo correr conforme planeado, será possível identificar um disco ou uma obra composta em cada um dos anos no intervalo entre o ano 1800 e o ano 2000. Não há limitações de género musical. A qualidade e a reputação da obra não constituem critério de escolha, embora se entenda que ela é, de algum modo, representativa do ano em questão.
3 comentários:
"ouvidos apurados, mente em expansão e coração selvagem"
uau. e é isso que nós nos deveríamos permitir ser...
sempre!
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