quinta-feira, março 09, 2006

Capote


Vejo muito cinema, mas raramente escrevo sobre filmes. É preciso ficar muito deslumbrado/indignado/perturbado para sentir motivação a escrever. Vi Capote e fiquei incomodado. Não tanto pelos desempenhos dos actores e realizador do filme, mas pela mensagem moralmente dúbia que passa. Qual a legitimidade de um escritor para contar uma história sobre um assassino, explorando os detalhes mais íntimos da sua demência? Será que, ao cometer um crime tão hediondo, o assassino perde o direito à sua personalidade de modo a satisfazer a curiosidade mórbida de um escritor e dos seus leitores sedentos de escândalo e sangue? O recente caso do canibal de Rothenburg, no qual o tribunal deu razão ao criminoso (e queixoso), proibindo a exibição do filme, parece indicar que não.

PS: Capote era um indivíduo cheio de idiossincrasias, como aparece demonstrado ao longo do filme, mas a composição feita por Philip Seymour Hoffman é brilhante.

3 comentários:

K. disse...

Não podia concordar mais, é um filme inquietante.

AEnima disse...

não é mesmo isso que o filme quer mostrar? não será por isso que ficamos 3 dias a pensar nele depois de o vermos no cinema e provavelmente dificilmente o vamos esquecer na vida? não são exactamente os valores morais de capote e do ambiente que rodeia a acção do filme que está em causa para ser transmitida ao espectador mais do que o recontar de um período biográfico na vida de um escritor? teria o mesmo impacto se assim fosse a pura biografia? teria sido esse o objectivo? sempre achei as pessoas envolvidas na realização e produção mais inteligentes que isso...

merdinhas disse...

Pois olha que é um belo livro.
Pensa nele como jornalismo literário...ou "nonfiction novel".
Eu não vi o filme mas a história do livro tem como base um artigo no The New York Times onde ele trabalhava...e acaba por se envolver emocionalmente com os assassinos.
A fusão entre jornalismo e literatura faz-se. Bem ou mal...e ele fê-la magistralmente.